Um modo de fazer justiça no Sião
"Uma multidão de gente, digo passante de cinco mil
pessoas, entre grandes, pequenos, e estrangeiros, se ajuntou ao derredor deste
modo de tribunal, que por ordinário se faz numa praça pública perto do palácio,
a modo de ver esta justiça, que tem muito de superstição, e pouco de razão.
Acabando a sua oração, e levantando-se cada uma, coube
a um brâmane o exame dos pés das duas mulheres, e não achando deformação, nem
cousa suspeitosa, fez-lhes sinal para caminharem descalças no seu carreiro, por
cima do carvão abrasado. Quem assim fizesse sem dor, nem ferida, seria achada
honrada neste caso; mas quem desistisse, e tivesse os seus pés em dor, e
queimados, seria culpada de tão pecaminoso acto, que tanto podia ser o
adultério, como a tenção de criminar.
A acusada foi duas vezes para lá, e para cá, com um
formoso sorriso no rosto, e sem nenhuma dor, ou queimadura nos seus pés; mas a
outra mulher fazendo somente meio caminho para lá saltou logo do carvão afora,
com uma grita de muita dor. Fora ela a tecer esta clara, e manifesta mentira,
que quase acabara com tão honrada família.
El Rey vendo tudo isto ordenou logo ali a sua morte. E posto que a culpada com muitas lágrimas derramadas nos olhos lhe pediu misericórdia, pois o seu erro fora causado por cega cobiça, vendo a agora mulher livre de suas culpas o tamanho arrependimento no rosto dela, disse a Sua Alteza que a justiça já fora feita; porque a mentira ficara descoberta, e pena pior seria a desonra em que caíra”.
Ⓒ Alberto Capparelli
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