sábado, 30 de julho de 2022

Capítulo XIV

Do que sucedeu até Dom Vasco da Gama falecer em Cochim:

“Como a enfermidade avançava, e o espírito desfalecia de forças, quis Dom Vasco da Gama se passar para as casas de Diogo Pereira (perto do terreiro da igreja), e prover o necessário para que Lopo Vaz de Sampayo, capitão de Cochim, mandasse após a sua morte, o mesmo que mandava o Viso-Rey, até o sucessor receber a governação da India. Mandando fazer um assento, deu juramento a Lopo Vaz, ao Veador da Fazenda, digo Affonso Mexia, e ao secretário Vicente Pegado, assinando todos o auto. E fazendo a sua confissão tomou o Santo Sacramento, e fez o testamento, no qual mandava que os seus filhos, Dom Estêvão, e Dom Paulo, fossem nas naus para o Reyno, e cumprissem com o que deixava determinado sobre algumas cousas particulares. Para as mulheres que foram açoutadas em Goa mandou cem mil réis, cada uma, sendo isto feito em muito segredo, conforme a sua vontade.

Estando as cousas da sucessão assentes assim como as cousas de bom católico cristão, veio a hora de Dom Vasco da Gama se ajuntar ao Criador, digo às três horas depois da meia noite do dia vinte e cinco do ano de 1524 (paz à sua alma!), que era o da festa do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo. A triste nova foi sentida com muy grandes choros, e prantos, assim que seus filhos, e criados, fizeram o sinal da sua morte, enchendo-se o terreiro da igreja com todo o povo da cidade”.


quarta-feira, 27 de julho de 2022

Capítulo XIII

Chegada de Dom Vasco da Gama, Vice-rei da Índia, a Goa:

“Para atalhar um pouco o sucedido, fica aqui escrito que o Viso-Rey chegou no cabo de Setembro a Goa, onde foi recebido com grande pompa, e solenidade, da forma que requeria o seu título. Após ser levado em procissão à Sé, onde não compareceu o Bispo Dom Martinho, por jazer doente em casa, foi Dom Vasco da Gama levado à fortaleza pelo capitão da cidade, que o tinha ido visitar à barra. E estando miudamente informado sobre as grandes acusações que tinham ido a el Rey, ao entrar na fortaleza soltou estas palavras:

– Senhor Francisco Pereira, assim quisera eu achar bem concertadas todas as vossas cousas assim como estão estas casas”.

terça-feira, 26 de julho de 2022

Capítulo XII

Caça aos diamantes:

“Tomado por uma grandíssima alegria tratei logo de ir com todas as pressas à casa de morada de Ruffino do Salvador, no arrabalde da Porta da Cidade para o Mandovim, para saber se me iria conceder um empréstimo em dinheiro, que depois lhe pagaria com bons juros. Após ouvir o que tinha para lhe contar, abanou a sua cabeça, e torceu o nariz com os dedos, por não estar certo do nosso sucesso, e por muito temer a perda dos seus cabedais assim de maneira tão arriscadíssima.

Falando-lhe do Português, que nos iria acompanhar nesta empresa, logo me perguntou se era pessoa de ricas fazendas? Ficando sabedor que não, bateu duas vezes a palma da mão na testa, e estranhou todo este caso, pois se o dito Português sabia como caçar diamantes; porque não se adiantaria ele à sua procura, em vez de ter que os repartir connosco? Como tive lembrança que as serpentes no vale profundo eram a dificuldade maior de todo este negócio, talvez lhe faltasse estofo, e coragem, que muito me sobejava. Ainda que Ruffino do Salvador não dissesse a razão; porque também não sabia como a explicar, me deu por seu conselho para que não largasse, por nenhum motivo, a espingarda das mãos, no tempo que andássemos enfiados no sertão”.

domingo, 24 de julho de 2022

Leitura do Dia

"Os Portugueses e o Sião no Século XVI", de Maria da Conceição Flores.


"RELIGIÃO E COSTUMES

Nos relatos portugueses podemos encontrar igualmente bastantes informações acerca dos costumes e da religião praticada pelos Siameses, pormenores que interessavam bastante a um Portugal e a uma Europa desejosos de conhecer notícias exóticas sobre os novos e velhos mundos recém-descobertos.

De uma maneira geral, os Siameses são considerados como homens honrados, que se expressavam com modéstia. Andavam nus da cintura para cima e cobriam a parte inferior do corpo com panos de algodão, ou então vestiam umas roupas de seda. Usavam geralmente a cabeça rapada, deixando apenas umas guedelhas de cabelo sobre a face".

Página 131.


sexta-feira, 22 de julho de 2022

"O Oriente Místico de Chao Balós", Cap. XI

Chegada a Goa:

“Na manhã seguinte vimos muitas toninhas, várias borboletas, e algumas cobras, sem avistarmos terra firme. À tarde foi lançado o prumo ao mar, o qual tomou o fundo a 50 braças. Não tardámos a ver os Ilhéus Queimados, que são muitos; ainda que só dez deles se levantam a boa altura. E como neles nada cresce, pois são rochedos estéreis plantados no mar, e estão faltos de água, ficaram conhecidos por este nome de Ilhéus Queimados.

Andando mais dez léguas de caminho, surgimos na barra de Goa no primeiro dia do mês de Abril [de 1524], e sendo Diogo da Silveira visitado pelos mais importantes da cidade, lhe disseram que nos detivéssemos aqui alguns dias; porque era necessário assegurar que nenhuma maleita fosse levada para a cidade nem que a povoação sofresse de algum mal.

Passando este tempo entrou a capitânia pelo rio acima embandeirada com formosas bandeiras, e estandartes de seda. Após salvar a fortaleza com grande estrondo, chegou Diogo da Silveira ao cais, para aqui desembarcar ao som de muitos instrumentos. À sua espera estava o capitão de Goa, digo Francisco Pereira Pestana, assim como os vereadores, e oficiais da cidade, sendo recebido com grandes cortesias”.

quarta-feira, 20 de julho de 2022

Capítulo X

Cabo das Agulhas e Cabo das Correntes:

“A jornada continuava a tirar esta minha pessoa das muitas ignorâncias que tinha do mundo, ao ficar agora a saber pelo nosso piloto mor que o promontório do cabo das Agulhas ganhara este nome, por ser nesta paragem que as agulhas de marear feriam nos verdadeiros pollos do mundo; porque olhavam contra o Norte. Na manhã do outro dia fomos atingidos por um vento rijíssimo de causar muito enjoo, abrandavam um bocado as cargas de neve, que caíam no mar oceano fazia dois dias.

Abalados pelos contrastes que nos sobrevieram, fomos forçados a nos apartar, uns dos outros, andando cada nave da Armada pelo caminho que melhor lhe pareceu. E como o frio me apoquentava a carne, chegou a febre acesa neste tempo, pela qual razão fiquei recolhido no camarote, até chegarmos a Moçambique. Só Deus, Nosso Senhor, sabe os muitos trabalhos que a nau Salvador passou para governar ao longo da costa; porque as grandes correntes de águas muito rijas [que vinham do Cabo das Correntes] faziam a embarcação descair muito a Sudueste”.


domingo, 17 de julho de 2022

Capítulo IX

 Perigo de Vida:

"Abatido pela fadiga, que resultava de largas semanas de viagem no mar alto, foi numa certa tarde ventosa de me causar assaz de aborrecimento que aproveitei para tomar algum repouso; porém depressa acordei sobressaltado, por causa da ondulação que teimava em sacudir a nau. Cuidei em tomar o ar fresco no convés; mas o vento soprava muito rijo de Norte, e o sol mal alumiado queria muito nos deixar à sorte. O cheiro fétido a pairar no ar era sinal mais do que aprovado que o diabo esfregava as mãos de vil satisfação, por estar muy pronto a reclamar mais algumas almas para as profundezas do Inferno.

Fiquei muy assustado quando meteu tanto mar no costado, que mais parecia que a nau ia ao fundo a cada balanço que dava, e mais temeroso fiquei quando arreei os joelhos no tabuado logo após o embate de outra vaga de água no costado. Havia que sair deste horrível lugar, o quanto antes, e tomar abrigo em parte segura. Com assaz de pressa quis galgar para o chapitéu de popa; mas ao agarrar as madeiras da nau, para não perder o equilíbrio, fiquei com o rosto tomado pelo horror; porque uma grandíssima tromba de água varreu o convés, sem dela escaparem quatro marinheiros. A morte chegara muy apressada para eles!

Pus os olhos no céu, neste mesmo instante, tinha a roupa toda encharcada pela água da chuva. O vento rijo não queria repousar em nenhuma parte, e o frio a bater no rosto era sinal que a morte não guardava segredos nesta latitude. Quanto mais a nave cambaleava na fúria da tempestade maior era o medo de perdermos o leme. Roguei a Deus para que os dois homens muito rijos, que meneavam o leme com muy esforço de suas pessoas, o fizessem de contínuo, sem nunca levantar as mãos dele”.

quinta-feira, 14 de julho de 2022

Capítulo VIII

 Mortes a lamentar:

"Os tementes a Deus, com os joelhos prostrados defronte do altar, rompiam os ares com a voz em grito, pedindo-Lhe misericórdia para ficarem em salvo das enfermidades, assim como dos medos, e anseios, que tomavam conta das suas almas. Nem todos iam ter a felicidade de passar à India, pois havia mortes a lamentar pelo caminho. E sendo a que mais horror causou nos embarcados lembro agora o falecimento do barbeiro Francisco Tomé, que deu o último suspiro após a quinta sangria, que lhe fez um grumete no derradeiro dia de sua vida; posto que nem menos cinquenta onças de sangue terminaram com a grande tormenta da febre, que muito o afligia.

Chorei mil lágrimas quando o corpo do defunto, envolto numa mortalha, e com uma bola atada nos pés, foi lançado ao mar pouco depois de ser lembrada a sua habilidade para arrancar os dentes estragados dos embarcados. Francisco Tomé faleceu desta vida com mostras de muito bom cristão, o que a todos nos animou, e muito nos consolou”.


segunda-feira, 11 de julho de 2022

Capítulo VII

 O triste fim de um grumete:

"Num destes dias de grande tédio, por sinal de má memória, caiu à água do mar o grumete, por nome Martim da Gallega, que pouco sabia nadar. Os gritos do infeliz causaram logo grande alvoroço, e posto que alguns embarcados lhe atiraram com prontidão duas pipas, e algumas cordas, e com isso feito o desgraçado se manteve à tona de água muito esforçadamente, chegou tarde o salvamento; porque sendo o dito grumete trazido para o convés, passada que estava uma hora e meia de sua triste queda, deu com assaz agonia o derradeiro suspiro no braço do Padre Lançarote. 

Confessando-se, a muito custo, pouco antes de partir desta vida temporal, escorreram em nós muitas lágrimas de alegria pelo consolo de sabermos que não perdera a vida eterna. Paz à sua alma! A morte do dito grumete levantou suspeita, e o mareante que mostrou resistência ao socorro (o tal que muito o repreendia, e muito lhe batia) foi achado culpado. Em boa verdade fora eu quem dissera ao meirinho o que ouvira do próprio Martim da Gallega, acerca das ameaças que tivera do rude marinheiro:

– Temia muito ser mandado borda fora no breu da noite, se botasse faladura do concerto havido entre os corruptos marinheiros, e a horrível mulher com o cabelo curto, a que fora achada roupada como homem...”


sábado, 9 de julho de 2022

Capítulo VI

O terrível pairo:

"Com a nau ao pairo chegaram os fortes calores, as doenças tomaram conta dos desafortunados, e muitos passageiros foram tomados pelo enfadamento. Tanto estragada ficou a maior parte das cousas de comer; porque tanto fervia o azeite, o mel, a manteiga, e a marmelada, assim como corrompida no sabor se achou a fruta passada, e outras cousas da nossa alimentação. A água das pipas, parecendo criar bichos, era de tão mau cheiro, que para evitarmos a revolta das entranhas a bebíamos em pequenos goles, com os olhos fechados, e o nariz tapado.

A falta de água doce era a maior preocupação do Padre Miguel Lançarote (ficou como enfermeiro certo para o resto da viagem); porque sem ela não sossegavam os maus humores dos enfermos nem se cozia a carne de galinha para fazer o caldo que muito socorro dava à cura de todos eles. Mas como era desolador ver a frota rodeada por tanta água do mar oceano, que para nada servia, nem para saciar a sede nem para a cozedura dos alimentos, tão pouco para lavar o corpo!


 

terça-feira, 5 de julho de 2022

Leitura do Dia

"The Palace Law of Ayutthaya and the Thammasat - Law and Kingship in Siam"

Um raro e importantíssimo livro que tive a felicidade de adquirir para conhecer e perceber a vida em Odiaa (Ayutthaya), capital do Reino do Sião, actual Tailândia, a partir de 1351, até à sua queda às mãos dos birmanes, em 1767.


"Atribuições Impróprias

80 - Quaisquer cortesãos que se reúnam para beber licor, jogar ou ter luta de galos e sejam vistos por outros, que se imponha uma pena suspensa.

81 - Se um oficial do palácio traseiro se for encontrar com um cortesão ou soldado, é condenado à morte.

82 - Se um governador de cidade se for encontrar com outro governador de cidade numa cidade é condenado à morte".


Página 98 (traduzido do inglês).



❤️❤️❤️