quarta-feira, 29 de junho de 2022

"A Famosa" em Malaca

"Após a minha desembarcação provi o necessário para ter uma casa muy boa dentro dos muros, ali nas imediações da nobre fortaleza, com sua torre de menagem de cinco sobrados por altura, e um coruchéu coberto de chumbo, à qual torre Affonso D’Albuquerque lhe pôs o nome a Famosa".

In O Oriente Místico de Chao Balós, Cap. XXII





Fotos tiradas a 24 de Dezembro de 2014.

quarta-feira, 22 de junho de 2022

"O Oriente Místico de Chao Balós", Cap. V

Pareceres dos pilotos sobre a derrota da Armada:

"Ao décimo dia de viagem escutei dois tiros da capitânia, por ser necessário que chegassem até nós os pilotos da Armada, e saber que parecer tinham de quantas léguas íamos afastados do rio Grande, e quanto tempo iam as velas esperar na ilha a que chamamos Moçambique. Concordaram todos com o piloto mor que a derrota tinha de ser feita por dentro, chegando nós ao cabo de Boa Esperança, até aos 25 do mês de Julho, e que a partida da fortaleza de Moçambique (para passarmos à India) acontecia dos 10 aos 15 dias do mês de Agosto, seguindo a derrota da ilha do Combaro. E se a Armada dobrasse tarde o cabo de Boa Esperança? Seria a governação feita por fora da ilha de São Lourenço?

Os pilotos da Santo Espírito, e da São Leão, mostraram oposição; porque as suas naus levavam muita gente, e havia pouca água doce disponível para tão larga viagem. Para eles era mais certo invernar em Moçambique, do que passar pelo perigo de morrermos todos à sede. Para o piloto da Loba era aconselhável fazer a derrota por fora, mesmo com o risco de perdermos vidas, que não chegariam a uma sexta parte, se a Armada fosse invernar em Moçambique, onde as doenças iam consumir muitas mais almas, cada dia que gastássemos em terra. Por derradeiro, assentando com o capitão mor que a derrota se faria por dentro, assinaram todos a causa, e tornaram de batel às suas naus”.

segunda-feira, 20 de junho de 2022

Descrição de Mascate

 O Oriente Místico de Chao Balós (excerto):

"Estávamos no ano de 1530 quando me meti no mar Arabio a caminho de Mascáte, a tão muy grande e populosa villa da Arabia Feliz, bem apercebida de cerca, torres, e baluartes; a qual jaz no meio de grandes, e ásperas serras, com a frente perto da borda de água. Detrás de suas costas, ali contra o sertão, fica uma grande planície com panelas de sal, hortas, palmares de tâmaras, e poços de boa água doce. É terra de muita quentura nos meses do verão.

O vento quente, que num rastro de areia sopra do interior do sertão para o Ponente de Mascate, somente a muito custo não nos faz ficar faltos de ar. No tempo das calmas quase nunca está coberto o sol, desde o seu raiar, até ser noite caída, e acontece isto vários meses de contínuo. O sol brilha tão fortemente, que os ofícios que cada um tem a seu cargo, e as cousas particulares, não sucedem a céu descoberto nas horas do meio dia, sob pena de causar muitos danos à saúde de cada um". 

Capítulo XIX


sexta-feira, 17 de junho de 2022

"O Oriente Místico de Chao Balós", Cap. IV

Fala com Diogo da Silveira, capitão-mor da Armada:

"Soprava o vento ligeiro de Noroeste, quando no meu rosto surgiu um pajem muy embonecado, com recado do nosso capitão mor, que me queria falar. A Ruffino do Salvador pedi que cuidasse das minhas cousas da viagem, pelo meu grande receio que mais alguém as tomasse como suas. Cometido por uma arreliadora má disposição, esperançava que o mar Atlântico não prolongasse tão desajeitada coreografia de atazanar a nau com mais solavancos.

Seguindo detrás do pajem, foi ele bater à porta do camarote do meirinho, ali defronte da acomodação do escrivão, e passando os meus olhos no interior, assim que o dito meirinho abriu a porta, reparei que o catre olhava para a mesa, em cima da qual pousavam uns papéis desordenados, o tinteiro, e a pena de escrever. Num canto da banda de cá achava-se um círio, e por baixo da mesa, diante da cadeira de pau, ficava uma arca.

Dando o pajem recado, que o capitão mor lhe queria falar, arrumou o meirinho, com assaz de pressa, os papéis que pousavam na mesa, e logo que saiu do camarote fechou a porta, muito bem fechada, com sua chave. Indo nós, os três, muy solenemente até Diogo da Silveira, achava-se ele na sua câmara assentado numa cadeira de espaldas, ali defronte da mesa lacada, onde pousava o relógio de areia, e alguns papéis desarrumados, a par da carta de marear, com umas pinturas ao natural dos sítios, das feições da terra, e do mar oceano".

quarta-feira, 15 de junho de 2022

"O Oriente Místico de Chao Balós", Cap. III

Partida do rio Tejo para a Índia:

"Na boca do rio Tejo se deteve a frota até o vento ser suficiente à viagem, e a capitânia disparar um tiro, sinal mais do que aprovado que era chegado o momento de nos pormos ao caminho. Nas costas da nau Salvador iam as velas dos capitães Dom Antonio D’Almeida, que ia na nau Santo Espírito, Manoel de Macedo, que ia no galeão São Leão, Pero D’Afonseca, que ia na nau Loba, do armador Jorge Lopes Bixorda, e Aires da Cunha, que ia na nau São Miguel.

Navegando para fora do rio Tejo, fomos escoltados por três caravelas da Armada da Costa, as quais, por ordem expressa d’el Rey, zelavam pela segurança de nossas pessoas. Deixando para trás o Promontório Bárbaro, fomos descendo a costa e surgimos à vista do Promontório Sacro, onde numa longa data esteve oculto o corpo do diácono e mártir São Vicente. Porque havia notícia de algumas velas de mouros a navegar não muito longe das ditas paragens, e para que estes barcos pejados de ladrões não fossem tentados a nos cometer mais a Sul, se fez a rendição da Armada da Costa ao largo do Promontório Sacro, por duas caravelas da Armada do Estreito".


domingo, 12 de junho de 2022

Estátua de Santo Niño em Cebu

A estátua de Santo Niño, símbolo do catolicismo nas Filipinas, foi trazida pela armada espanhola capitaneada pelo explorador português Fernão Mendes Pinto (nas Filipinas é conhecido por Magellan) durante a viagem de circum-navegação, no século XVI.

Foto tirada, a 27 de Agosto de 2016, na Basílica Menor de Santo Niño, na ilha de Cebu, Filipinas.


sexta-feira, 10 de junho de 2022

Camões esteve em Macau?

Assinala-se hoje em Portugal, e um pouco por toda a diáspora portuguesa, o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas. 

A efeméride do 10 de Junho coincide com o falecimento do vate Luiz Vaz de Camões, expoente máximo da literatura portuguesa, que tão bem retratou a epopeia dos Descobrimentos Portugueses na sua obra "Os Lvsiadas".

Luiz Vaz de Camões é protagonista no meu romance histórico, ao cruzar-se com o herói João de Barros (Chao Balós) em Goa e descobrirem que partilham algo em comum. O vate é também figura de destaque mais adiante, pois de forma ficcionada refiro se esteve ou não em Macau.



quarta-feira, 8 de junho de 2022

"O Oriente Místico de Chao Balós", Cap. II

Lisboa, Metrópole do Reino de Portugal:

"Como ainda não tinha saciado a fome, ao atravessar para a outra banda da rua não fiz caso de um saloio, que por seu mester vendia frutas; porque em indo mais avante comprei favas cozidas a uma negra. Para matar a sede fiz sinal a um aguadeiro negro, a modo de pousar o cântaro no chão, e encher um púcaro com água. Agradecendo-me, assim que lhe paguei, lá se foi ele, por seu pé, apregoando pela rua:

– Água fria! Água fria! Quem quer água fria!

Como era grande a soma de negros, e negras, que vestiam umas tangas andrajosas, e carregavam cântaros com água tirada dos chafarizes! A cidade de Lisboa estava inundada destas gentes, que vendiam toda a sorte de comer nas barracas, soleiras das portas das casas de seus amos, e escadas dos edifícios públicos, ou quando procuravam fregueses nas ruas, e praças, desta Metrópole do Reyno.

Ao chegar a uma certa rua, já depois de pôr o rosto num vendedor de carvão, e noutro de palha, cada um puxando esforçadamente a sua carreta, dei com dois homens de aspecto repugnante, a fazer de comer com sardinhas a céu aberto. Era muito improvável que tão pobres criaturas, roupadas com seus buréis pardos de lã meirinha encardida, tivessem como comer as galinhas, e carnes de criação, ou de caça, tão pouco com cheiros, adubos, e temperos de boa qualidade; porque nada mais lhes entrava dentro de suas bocas, do que sardinhas, e legumes, assim como algumas castas de frutas, e pão com paladar sofrível".


segunda-feira, 6 de junho de 2022

"O Oriente Místico de Chao Balós", Cap. I

 Origem do nome da vila de Alenquer:

"Nas costas da villa, pela metade do outeiro por esta banda fica a Igreja de Santiago, fundada por el Rey Dom Affonso Henriquez, em memória da ajuda, e socorro, que teve de tão glorioso Santo Apóstolo, defronte da porta aonde as suas gentes (valentes, e esforçados cristãos) deram com tanto ímpeto nos mouros, que os desbarataram, e lhes tomaram o Castelo.

Foi este feito muito celebrado; porque el Rey gastara dois meses no cerco, e como não havia maneira de tomar a fortaleza aos mouros, pois a tudo resistiam, pediu um sinal a Deus para lhe dizer quando chegaria o momento de fazer o assalto. Na manhã do dia de São João surgiu no arraial, diante d’el Rey, um cão pardo, alam de raça, que sempre vigiava a villa. Fazendo-lhe Dom Affonso Henriquez muitas festas com suas mãos, nada ladrou o dito cão, e se foi lentamente para a banda da cerca. Vendo nisto o sinal de Deus fez el Rey uma fala desta maneira aos seus homens:

– Vide meus bons cavaleiros, e amigos! O Alam quer! O Alam quer! Animai os vossos corações; porque Deus nos dá confiança de nossos trabalhos, e fadigas, aqui passados serem cousas que não mais afronta nem perigo nos darão. Convosco ficará hoje a villa em nossas mãos; porque por este Alam nos deu testemunho Nosso Senhor.

E para que este feito não ficasse em perpétuo esquecimento tomou esta formosa villa o nome Alamquer...”


domingo, 5 de junho de 2022

Cruz de Fernão de Magalhães

A Cruz de Fernão de Magalhães marca a fundação do catolicismo no território que corresponde agora às Filipinas.

A Cruz de madeira de tindalo encerra a Cruz original erguida por Fernão de Magalhães neste mesmo lugar, na ilha de Cebu, a 21 de Abril de 1521, durante a viagem de circum-navegação ao serviço da Coroa de Castela. O explorador português viria a morrer em combate com os nativos na ilha de Mactan (parte da área metropolitana de Cebu), após ser atraído por uma emboscada. Consta que foi morto pelo líder tribal visaiano Lapu-Lapu, hoje herói nacional filipino.

Foto tirada, a 27 de Agosto de 2016, na pequena capela da Cruz de Magalhães, perto da Basílica Menor de Santo Niño.

quinta-feira, 2 de junho de 2022

Prólogo

"Localizado o manuscrito, e voltando à secretária de trabalho, retirei o conteúdo do envelope e removi a protecção de plástico. Para melhor preservação do material, revesti as mãos com um par de luvas de látex esterilizadas e folheei as páginas com redobrado cuidado…

– O português é arcaico para os padrões actuais de escrita. Pelas datas, confirma-se que remonta ao século XVI. Nada de estranho, portanto...

Em cima da secretária tinha uma crónica escrita em papel almaço grosso, consistente e um pouco escuro. A pauta estava quase invisível e não havia correcções de palavras, nem de estilo, denotando ser uma cópia do original. As tabuadas ordenadas no final da crónica estavam incompletas, visto não passarem do décimo capítulo. O título não aparecia na lombada, mas na página a seguir à folha de guarda lia-se algo surpreendente: Joam de Barros na Asia. Abri a boca de espanto! Não queria acreditar que estaria perante algum inédito do famoso cronista que ficou para a posteridade como autor dos primeiros quatro volumes das célebres Décadas Da Asia!

Apesar da emoção inicial, depressa percebi não ser algum inédito a retratar a vida de quem deixara importante testemunho sobre os feitos dos portugueses no Oriente quinhentista. Deparei-me, isso sim, com as memórias de um homónimo. Esta narrativa das cousas testemunhadas pelos meus próprios olhos (...) foi escrita pela minha mão (…) neste Reyno do Sião, entre os anos de 1566, e 1570, da era de Nosso Senhor Jesus Cristo, relatava o desconhecido João de Barros".

❤️❤️❤️