domingo, 17 de julho de 2022

Capítulo IX

 Perigo de Vida:

"Abatido pela fadiga, que resultava de largas semanas de viagem no mar alto, foi numa certa tarde ventosa de me causar assaz de aborrecimento que aproveitei para tomar algum repouso; porém depressa acordei sobressaltado, por causa da ondulação que teimava em sacudir a nau. Cuidei em tomar o ar fresco no convés; mas o vento soprava muito rijo de Norte, e o sol mal alumiado queria muito nos deixar à sorte. O cheiro fétido a pairar no ar era sinal mais do que aprovado que o diabo esfregava as mãos de vil satisfação, por estar muy pronto a reclamar mais algumas almas para as profundezas do Inferno.

Fiquei muy assustado quando meteu tanto mar no costado, que mais parecia que a nau ia ao fundo a cada balanço que dava, e mais temeroso fiquei quando arreei os joelhos no tabuado logo após o embate de outra vaga de água no costado. Havia que sair deste horrível lugar, o quanto antes, e tomar abrigo em parte segura. Com assaz de pressa quis galgar para o chapitéu de popa; mas ao agarrar as madeiras da nau, para não perder o equilíbrio, fiquei com o rosto tomado pelo horror; porque uma grandíssima tromba de água varreu o convés, sem dela escaparem quatro marinheiros. A morte chegara muy apressada para eles!

Pus os olhos no céu, neste mesmo instante, tinha a roupa toda encharcada pela água da chuva. O vento rijo não queria repousar em nenhuma parte, e o frio a bater no rosto era sinal que a morte não guardava segredos nesta latitude. Quanto mais a nave cambaleava na fúria da tempestade maior era o medo de perdermos o leme. Roguei a Deus para que os dois homens muito rijos, que meneavam o leme com muy esforço de suas pessoas, o fizessem de contínuo, sem nunca levantar as mãos dele”.

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